domingo, 12 de setembro de 2010

A RELATIVIDADE CONTINUA LINDA



Aquele que acha que ser gênio é encontrar solução para todos os seus problemas quase que magicamente, a intuição fulminante trazendo a resposta que, para a grande maioria, seria impossível descobrir, está enganada. O tal grito do “Ah-ah!”, quando uma idéia explode de repente na cabeça, é, em geral, apenas o começo do processo criativo. Do “Ah-ah!” até a teoria ou o experimento revelador existe uma longa estrada, onde “gênio” se mistura com o leviano suor – mesmo que o da mente, não o do corpo. “Gênio” é um desses adjetivos fáceis de usar, mas difíceis de definir quantitativamente: onde fica a linha divisória entre o “muito inteligente” e o “ genial”? Essa questão anima muitos debates entre os neurocientistas. Deixando-a de lado, pois, afinal, o que importa e a obra (e não como classificamos a mente de quem a criou), falemos da teoria da relatividade de Einstein, este que, sem dúvida, dá corpo ao conceito de gênio.

Em torno de 1910, Einstein estava confuso; ele havia desenvolvido a teoria da relatividade espacial em 1905, na qual mostrou como observadores – aqueles que medem coisas que acontecem em algum lugar no espaço e em determinado momento no tempo, que podemos, sem rigor, chamar de “fenômenos” - se movendo com velocidades relativas constantes poderiam trocar informações sobre suas medidas experimentais. Segundo essa teoria, a velocidade da luz representa o limite máximo a que observadores podem trocar informações. Mas a ênfase em movimentos com velocidades constantes incomodava Einstein: afinal, a maioria absoluta dos movimentos observados na natureza ocorre a velocidades que mudam de valor ou direção (ao fazermos uma curva, por exemplo), isto é, a maioria dos movimentos é acelerada.

Foi numa “visão” - que alguns chamam de intuição; outros, de gênio; outros, menos inclinados a assuntos científicos, de revelação – que Einstein deu seu primeiro passo a direção à nova teoria, que inclui movimentos acelerados, se bem que de forma inesperada. Einstein se imaginou caindo de um telhado bem alto; fazendo bom uso de uma visão, ele se perguntou como descrever os movimentos de outros objetos que caíam, hipoteticamente, a seu lado. “Ora”, pensou ele, “se estivéssemos caindo, não sentiríamos a gravidade da Terra. Estaríamos em queda livre.” O leitor que já desceu em um elevador bem rápido ou numa montanha-russa conhece a sensação de leveza que vem com a queda. Por outro lado, um elevador que sobe parece aumentar a gravidade terrestre. Einstein concluiu, em 1907, que gravidade e aceleração estão intimamente relacionadas; que um movimento acelerado (o elevador que sobe) pode imitar a ação da gravidade. Uma teoria da relatividade que inclua aceleração necessariamente inclui gravidade. “Como formular essa idéia matematicamente?”, perguntou-se Einstein. Como transformar a “visão” em teoria quantitativa? Aqui começa o suor do gênio e de todos nós que tentamos dar corpo a uma idéia. Da mente ao mundo há uma longo estrada.

Foram nove anos de esforços – não contínuos, mas, mesmo assim, de várias tentativas – até Einstein dar corpo às suas visões. Ele não poderia ter feito isso sem a ajuda de seu amigo Marcelo Grossman, que o instruiu na matemática, que se tornou a linguagem da teoria da relatividade geral. A consequência principal da nova teoria foi transformar o espaço (e o tempo) em entidade plástica, deformável, devido à presença de matéria (e energia);uma estrela encurva o espaço à sua volta, fazendo com que corpos em sua vizinhança se movimentem de forma acelerada nessa geometria distorcida, um pouco como crianças descendo um escorregador.

A colaboração entre Grossman e Einstein é celebrada regularmente. A riqueza da teoria da relatividade geral é tal que centenas de físicos do mundo inteiro, incluindo vários brasileiros, vieram debater suas novas idéias sobre uma teoria que já tem 84 anos. Tópicos vão de estrelas exóticas, que no momento existem apenas no papel – a colaboração deste autor -, até as propriedades geométricas dos buracos negros, a geração e detecção de ondas gravitacionais e a origem e a geometria do Universo como um todo. A relatividade continua linda e mais estimulante do que nunca.

Gleiser, Marcelo
Micro Macro – reflexão sobre o homem, o tempo e o espaço
São Paulo : Publifolha, 2005.


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