quarta-feira, 29 de outubro de 2008

QUEBRA – QUILOS (1874 – 1875)


No dia 31 de outubro de 1874, tem início na Vila de Fagundes, comarca do Ingá, na Paraíba,durante a feira, uma discussão entre o arrematante de impostos que cobrava o chamado imposto de chão (que consistia em uma taxa de 100 mil réis, cobrada aos comerciantes, sobre qualquer mercadoria exposta no pátio da feiras), e os feirantes. Desta discussão partiu-se para a violência e estava iniciado o movimento que ficou conhecido como Quebra-Quilos.

Devido as insatisfações de quase todos os setores sociais da região Nordeste, o movimento cresce e espalha-se pela Paraíba, sendo muito forte nas cidades de Campina Grande e Areia e ramifica-se para os Estados vizinhos, ou seja, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte.

Em Campina Grande, o movimento tem início na feira do sábado 21 de novembro de 1874, onde os revoltosos, receberam as autoridades policiais a pedradas. Neste cenário, “Tomam os sediciosos contra da feira, passam livremente a quebrar as medidas arrebatadas aos comerciantes, a despedaçar as cuias encontradas em mãos dos vendedores retalhistas, a recolher os pesos de todos os tamanhos, atirados em seguida no Açude Velho.” (Almeida, 1962:147 – 148).


Isto não significa dizer que foi um movimento único e coeso. Ao contrário, poderia se dizer que o mesmo se espalhou dentro da Lógica do chamado efeito dominó, pois em cada semana o movimento se dava em um determinado local e a participação da população no mesmo também foi bastante diversificada.

Para alguns historiadores, este movimento teve como principal motivo, a ignorância e o fanatismo religiosos. Só a Título de exemplo vejamos como o movimento é abordado por Elpídio de Almeida:


“Foi um movimento sedicioso sem idealismo, selvático, sem orientação conhecidos, sem chefes descobertos e responsáveis e criminosos, saíram a invadir povoações, vilas e cidades, soltando presos, perseguindo maçons, tomando dinheiro, ameaçando, destruindo pesos e medidas, incendiando os arquivos públicos.” (Almeida, Idem: 147)


e Horácio de Almeida:


“Um exame objetivo das mencionadas causas convence desde logo da improcedência de muitas delas, inclusive subrepticiamente no intuito de acobertar o verdadeiro motivo da mazorca.(...) Resta uma das causas apontadas, a do fanatismo religioso, que foi de todas a que influiu decisivamente no ânimo dos rebeldes.” (Cf. Almeid, Idem: 150 - 1521)

Embora não haja um consenso sobre o motivo que propiciou o surgimento deste movimento, podemos afirmar que não houve um motivo específico e sim uma conjugação de fatores que acabaram por desencadear o mesmo.

Entre estes fatores podemos citar: a) A concentração administrativa promovida pelo Império que aumentou os impostos já existentes e criou novos impostos; b) A adoção do sistema métrico decimal uma “novidade” que era vista pelos trabalhadores pobre como nociva na medida em que era aproveitada pelos comerciantes para diminuir a quantidade de produtos comprados por estes trabalhadores: c) A mudança na lei do recrutamento militar. Estes fatores conjugados com a grande crise por que passava o Nordeste foram o estopim para a revolta.

Como eram crescentes as insatisfações, quase todas as camadas sociais da região acabaram se envolvendo no movimento, umas mais ativas que outras, dependendo do local e dos interesses envolvidos. Participaram do movimento os grandes proprietários, os políticos da oposição, parte do clero e os trabalhadores pobres. Obviamente que cada camada social tinha os seu motivos e os seus objetivos, porém uma participação tão ampla fez com que o movimento tivesse maior repercussão que o movimento tratado anteriormente.

Vejamos os interesses de cada camada social envolvida:

1- Os grandes proprietários, quando não participaram diretamente do movimento, omitiram-se no apoio à repressão do mesmo. Isto porque estavam revoltados com o descaso do governo imperial para com a região, bem como discordavam da nova lei de recrutamento militar que não permitia a substituição do convocado para o serviço militar, por alguém indicado por estes.

2- Os políticos da oposição utilizavam-se de todas as armas para desestabilizar os conservadores que estavam no poder. Neste período já havia sido lançado o Manifesto Republicano, e este movimento poderia muito bem ser utilizado para enfraquecer o governo.

3- O clero estava atravessando uma fase de turbulência com o governo, devido ao avanço da maçonaria e a prisão do bispo D. Vital.

4- Os trabalhadores pobres que compunham a imensa maioria dos rebeldes lutavam contra a cobrança exagerada impostos. O que dificultava ainda mais a sua sobrevivência.


A cobrança de impostos era realmente abusiva, pois, além dos impostos criados pelo coroa, existiam os impostos criados pela administração provincial, os da administração municipal e os abusos cometidos pelos cobradores, com o objetivo de aumentar o seu “salário”. Para se ter uma idéia, muitas vezes os impostos cobrados eram maiores que o valor das mercadorias, e cada vez que o vendedor mudasse de lugar, teria que pagar novo imposto.

Em quase todos os locais ocorrem fatos semelhantes, ou seja. A invasão das feiras com quebra de pesos e medidas do novo sistema métrico decimal destruição dos arquivos das câmaras municipais, coletorias, cartórios civis e criminais, e até os papéis dos correios.

Embora, como já foi citado, diversos setores da sociedade tinham participado do movimento, a repressão, como sempre acabou caindo sobre os trabalhadores pobres. É interessante perceber as contradições no discurso do historiador Elpídio de Almeida, facilitando a identificação de sua posição de lasse. No inicio do seu texto sobre o movimento o historiador declara que “(...)foi um movimento sem chefes descobertos e responsáveis(...)”. Em seguida, no mesmo texto, para justificar

a repressão ocorrida, ele afirma:


“) cabeça dessa selvageria foi João Vieira da Silva, vulgo João Carga d”Água. A frente de seu grupo, o mais numeroso, dirigiu-se no do]ia 26 principalmente à coletoria das Rendas Gerais, repartição do governo provincial, depois ao cartório do tabelião Pedro Américo de Almeida, em seguida à casa da Câmara Municipal, por fim à agência dos correios.(...). Na Paraíba, quem mais exaltado se torna é padre Calisto da Nóbrega, vigário de Campina Grande” (Almeida, Idem: 147/151)


Para acabar com o movimento, o governo da Paraíba, já que não conta com o auxilio dos grandes proprietários de terras, pede e auxílio do Império e também dos governos vizinhos, Pernambuco e Rio Grande do Norte, no que é atendido. A colaboração do Presidente da Província de Pernambuco Henrique Pereira de Lucena causa revolta na oposição liberal que o acusa de traidor do povo, já que o mesmo lutara na Revolta Praieira, reprimida pelos conservadores e agora enviava tropas para reprimir o movimento de Quebra-Quilos aliando-se aos conservadores.

A repressão ao movimento foi violenta, a ação das tropas foi de verdadeira selvageria, aplicada cegamente contra culpados ou inocentes como mostra José Américo de Almeida, no seu livro A Paraíba e seus Problemas, transcrevendo o depoimento do Deputado João Florentino em 1879:


“Fizeram-se prisões em massa, velhos e moços, casados e viúvos, todos acorrentados e alguns metidos em coletes de couro. Eram remetidos para quase asfixiados, caíam sem sentido pelas estradas deitando sangue pela boca”. (Cf. Monteiro, 1987:71)


A repressão aos movimentos populares de forma violenta, nunca foi novidade na região. A novidade desta feita ficou por conta da invenção de um novo instrumento de tortura que, segundo consta, fora inventado pelo Capitão Longuinho. Comandante de uma das colunas que seguiu para combater o movimento no interior: o colete de couro.


O colete de couro, que levou à morte João Carga d”Água,


consistia em costurar-se ao tórax dos presos, muitos inculpados, uma faixa de couro cru, previamente molhada durante horas. A medida que o couro ia comprimido o peito da vítima, causando-lhe muitas vezes morte torturante por asfixia.” (Almeida, op. Cit.:157).


Durante todo o império e até os dias atuais, continuaram e continuam ocorrendo conflitos relacionados aos problemas centrais que originaram estes movimentos, ou seja, descaso das autoridades e privação de qualquer forma de interferência das camadas populares na vida do país. Só utilizando a Repressão é que os governantes conseguiram e vêm conseguindo manter a população à margem das decisões políticas e econômicas do Brasil.



Texto produzido pelo o Professor e Escritor: Damião de Lima

Texto Extraído do Livro: Estudando a História da Paraíba – uma coletânea de textos didático- Ano 1999.

Gráfica Offsert Marcone

Editora Cultura Nordestina

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